O STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu nesta quinta-feira (17) a cobrança pelo uso de vias públicas para instalação de infraestrutura e rede de telecomunicações. Com a decisão, os ministros evitaram o encarecimento da telefonia 5G, que terá início com o leilão deste ano e exigirá a construção de dez vezes mais antenas de celular do que hoje.
A implantação da tecnologia de quinta geração exigirá investimentos muito maiores e a construção de uma rede exclusiva para o novo serviço. Para garantir a entrega de velocidades até cem vezes maiores que as da telefonia 4G, será preciso instalar ao menos dez vezes mais antenas. Antes, para cada antena, era preciso fazer um pedido para cada prefeitura.
Caso a isenção da cobrança pelo direito de passagem não fosse mantida pelo Supremo, não seria possível implantar o novo serviço sem repassar os custos pesados desse investimento para os pacotes dos clientes.
Para as teles, os preços seriam tão elevados que praticamente inviabilizariam a oferta do serviço.
Com a decisão, os ministros do Supremo também impediram o aumento nas contas de consumidores que sentiriam o repasse desses custos pelas concessionárias de serviços como energia, água e esgoto.
Somente para as operadoras de telecomunicações, o estoque estimado de cobranças pelo direito de passagem é de quase R$ 4 bilhões, segundo a LCA Consultores. Foram taxas pela liberação de novas antenas de celular ou pela instalação de fibras ópticas para turbinar as conexões das residências à internet, por exemplo.
O julgamento atendeu ao pedido das operadoras de telefonia, do ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN) e da própria Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que entrou como parte interessada no processo.
No final do ano passado, o presidente da agência, Leonardo de Morais, se reuniu com o ministro do STF Gilmar Mendes para defender a manutenção da gratuidade do direito de passagem.
“O entendimento do STF salvaguarda o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras ao reconhecer que a gratuidade é aspecto fundamental para a expansão e o aprimoramento das redes”, disse Moraes após o julgamento do Supremo.
Todos agiram depois que o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto, em setembro do ano passado, que reduziu poderes das prefeituras que dificultavam a instalação de antenas de celular. A ideia era destravar as barreiras que impediriam a realização do leilão do 5G neste ano.
Para as teles, este era um dos maiores entraves para o avanço da cobertura de telefonia no país e uma das principais barreiras para a chegada da telefonia de quinta geração.
Por 10 votos a 1, prevaleceu o entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes, de rejeitar ação da PGR (Procuradoria-Geral da República), de julho do ano passado, que buscava invalidar trecho da Lei Geral das Antenas, de 2015, que trata da matéria. Ficou, portanto, reconhecida a constitucionalidade do dispositivo legal.
A norma contestada pela PGR proíbe que estados, Distrito Federal e municípios cobrem das concessionárias pelo direito de passagem em vias e outros bens públicos de uso comum na instalação de infraestrutura e redes de telecomunicações.
Em muitos casos, prefeituras já vinham abrindo mão da cobrança, especialmente das companhias de energia e telefonia. Ainda segundo a LCA, com essa mudança de comportamento, as teles deixaram de pagar cerca de R$ 547 milhões por ano. Nas demais concessionárias, essa redução de custo anual foi de R$ 223 milhões.
Caso a isenção fosse derrubada pelo Supremo, os consumidores teriam de arcar com o repasse dessas cobranças em suas faturas mensais de energia, telefonia, dentre outros serviços.
Contrária à isenção, a PGR argumentou que a norma viola a autonomia dos “entes federativos”, pois retira deles eventual receita que poderia ser aplicada nos serviços públicos locais.
É usual, defendeu a Procuradoria, o pagamento pelo uso privativo de bem público como elemento de atividade econômica ou comercial.
Gilmar sustentou que a medida é positiva para a expansão tecnológica e para levar rede de fibra óptica, necessária para instalação de internet, aos locais mais distantes do país.
O magistrado argumentou que a procedência da ação da PGR tornaria inviável para empresas privadas levar internet a cidades pequenas e com pouco potencial rentável.
“O custo anual [para as empresas] seria da ordem de R$ 11 mil por quilômetro. Em termos práticos, se uma empresa de telecomunicações decidisse levar rede de fibra óptica de Cascavel [PR] para o distrito de Juvinópolis, a cobrança feita pelo Estado seria 50% superior ao faturamento potencial para prestação do serviço naquela região”, disse.
Segundo o ministro, a restrição imposta ao direito de propriedade de estados, municípios e concessionárias de rodovias e outros espaços públicos foi feita de forma proporcional.
“A cobrança do direito de passagem, mesmo que de maneira uniforme pelas diferentes esferas administrativas, já elevaria o custo ao consumidor final, dificultando o acesso ao serviço e na contramão da política nacional de telecomunicações”, disse.
O ministro sustentou que “existe forte lógica econômica” na extensão da gratuidade e que foi uma política legítima aprovada pelo Congresso.
Os ministros Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux acompanharam Gilmar.
Ao apresentar o único voto divergente, Edson Fachin avaliou que a norma questionada retira das administrações estaduais e municipais “as prerrogativas de utilização econômica de seus bens”.
Antes do debate entre os ministros, houve a manifestação de entidades interessadas na controvérsia.
O advogado Gustavo Binenbojm usou a tribuna em nome da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias e defendeu a tese da PGR.
Desde 2015, as concessionárias de estradas não podem mais cobrar das operadoras de telefonia pela passagem das fibras ópticas ao longo das vias.
“O dispositivo criou uma vantagem competitiva às empresas de telecomunicações em desfavor das concessionárias de rodovias que fazem a terraplanagem, que adoçam os taludes e que constroem essa infraestrutura”, disse Binenbojm.
A Associação Brasileira dos Produtores de Soja defendeu a legislação. Segundo seu advogado, Lucas Mayall, a invalidação da lei teria “efeito catastrófico” para a produção rural no país.
“Hoje, um dos principais fatores da produtividade, da grande vantagem competitiva que o Brasil ostenta decorre da utilização de ferramentas de alta tecnologia no campo, como ferramentas de geolocalização de alta precisão, ferramentas de controle de estoque que usam internet das coisas. A conectividade no campo é fundamental”, disse Mayall.
Na visão do advogado, a invalidação da legislação faria com que recursos que seriam usados para levar a tecnologia 5G a todo o país fossem para a aquisição do chamado direito de passagem.
“Estávamos otimistas e o setor de telecom vê nessa decisão a confirmação de que o acesso à internet é fundamental para o desenvolvimento dos municípios e que sua ampliação deve ser incentivada por legislações modernas e que estimulem o avanço de novas tecnologias, como o 5G e a Internet das Coisas”, disse Marcos Ferrari, presidente da Conéxis, associação que representa as operadoras de telefonia.
“Vale reconhecer o esforço do Ministro Fabio Faria, que tem liderado importantes avanços para o setor de telecomunicações. O apoio do governo foi fundamental para a vitória de hoje no STF. Num momento em que a pandemia mostrou o quanto é fundamental a conectividade, seria um retrocesso onerar ainda mais um investimento que é o alicerce da economia do futuro.”
Para as operadoras de telefonia, além de onerar consumidores, a cobrança atrasava os projetos. Nos bastidores, as empresas sempre reclamaram que os municípios se aproveitavam da situação para cobrar valores exorbitantes. Caso contrário, as obras não eram autorizadas. Houve casos na cidade de São Paulo, em que a espera para a instalação de um antena de celular levou mais de cinco anos.
Com o entendimento de que a internet passou a ser um bem valioso para a população e para a economia das cidades, muitas prefeituras deixaram de cobrar pelo direito de passagem.
Fonte: Folha Press