Em São Vicente há décadas terrenos da marinha são invadidos e vendidos de forma irregular, causando desequilíbrio ambiental e social no município. Supostamente as invasões são motivadas muitas vezes por “políticos” da região. Esse texto é uma compilação de um texto de fatos que ocorre há dezenas de anos em São Vicente. O tempo passa e a forma contínua a mesma.
A negligência das autoridades competentes, entretanto, deixou que a posse de tais áreas passasse ao domínio de particulares, que com tais terrenos estão fazendo verdadeiros “negócios da China”. Grandes fortunas estão sendo feitas com o loteamento e venda de terrenos de marinha, particularmente em S. Vicente, onde tudo está aforado. Os concessionários de tais aforamentos receberam de mão beijada valiosos patrimônios, representados por valor que em breve se elevará a milhões de reais.
E como se não bastasse essa valorização natural, ainda se beneficiaram com obras realizadas pelo Governo Federal, nas quais foram gastas dezenas de milhões de reais. Em Santos, praticamente nada ainda foi feito nesse sentido, mas a vizinha cidade de S. Vicente, ou melhor, meia dúzia de latifundiários de áreas urbanas, têm sido largamente contemplados, com as obras de saneamento representadas pelas retificações dos rios da Avó, das Cachetas, Catarina de Morais, Sambaiatuba e toda área continental e etc., construção de diques e formação de alodiais.
Grandes áreas de mangues e pântanos ficaram, drenadas e enxutas, prontas para receber edificação, com uma quantidade de aterro relativamente pequena. Como a Prefeitura não reclamou a tempo os seus direitos, tais áreas passaram naturalmente à posse dos proprietários dos terrenos adjacentes aos referidos mangues, que outra coisa não fazem a não ser lotear e vender, uma vez que lhe seja deferido o aforamento requerido, de conformidade com o decreto n. 9.760, de 5 de setembro de 1946.
Vastas áreas, como dissemos, foram beneficiadas pelos serviços realizados pelo Departamento de Obras de Saneamento do Ministério da Viação, destacando-se entre elas o Parque Bitaru, Planalto Bela Vista, Vila Matteo Bey, Esplanada do Barreiros, Vila Margarida, inclusive todo o trato de terras que fica entre o Rio da Avó e o Sacoarê. A retificação do Rio Cachetas beneficiou áreas compreendidas pelos terrenos de Vicry S. A. Parque S. Vicente, e as existentes entre os rios Catarina de Morais e Sambaiatuba, tais como Catiapoã, adjacências do Golf Clube, do Jóquei Clube e boa parte também da Área Continental que não para de crescer de maneira desordenada.
Os espertos não perdem tempo – Ao que fomos informados, há proprietários que requereram aforamento de terrenos de marinha que lhes são contíguos, e que ainda não tiveram deferido o pedido, que já estariam negociando compromissos sobre áreas compreendidas nos referidos terrenos de marinha. Não podendo efetuar vendas diretas, por não poderem vender legalmente o que de fato ainda não lhes pertence, eles contornam a dificuldade fazendo meros compromissos,não podendo, assim, sequer, ser chamados à responsabilidade.
Estes são os espertos, que fazem as suas negociatazinhas sempre sob o amparo da lei.
Há, entretanto, outros que, tendo chegado tarde, procuram também tirar partido da confusão. Alegando títulos hipotéticos, petições ou concessões de data e idoneidade duvidosa, invadem as áreas, roçam os matos, fazem aparentes benfeitorias, procurando justificar posse remota sobre os terrenos que pretendem. E tal confusão estabelecem, que dão origem a longas e demoradas demandas judiciárias, que nem sempre se decidem a favor dos legítimos direitos.
Ao que nos informaram autorizadamente, um cidadão, há tempos, invadiu uma área de mangues, ao lado de um dique construído pelo Governo Federal, para isolar uma área alodial. Cortaram as árvores e construíram uma casinhola. Quando interpelados, alegaram estarem agindo em nome do diretor do próprio Departamento de Obras de Saneamento, a pretexto de pretender o Ministério da Aeronáutica instalar ali uma base aérea. Quando se apurou a improcedência das alegações, já a casinhola havia sido construída, e até hoje o cidadão continua afirmando a posse da área, que está, portanto, sendo objeto de verdadeiro “grilo”.
Mais tarde, outro lado da mesma área foi invadido por um segundo, ao que parece figurando como “testa de ferro” de outro cidadão. Ambos, ao que parece fora de dúvida, são invasores, iniciando uma contenda entre si, enquanto que o poder público se mantém à margem.
Aspectos tristes de um mesmo problema – O problema tem, portanto, diversos aspectos, alguns dos quais tomam caráter legal. É o que aconteceu no Parque Bitaru, cujo proprietário requereu o aforamento de vasta área de mangues, em torno do Rio da Avó, que também foi beneficiado pela retificação. Foi-lhe, finalmente, concedido o aforamento.
A esse tempo, porém, já cerca de 200 pessoas, na sua quase totalidade operários pobres, construíram seus “barracos” em diversos pontos dessa área principalmente junto ao dique construído pelo Departamento de Obras de Saneamento, apesar da proibição de construir a menos de 10 metros de distância do referido dique.
Obtendo o aforamento, o proprietário requereu a posse dos terrenos, que lhe passaram a pertencer por direito. E em conseqüência criou-se um grave problema de caráter social. Cerca de 200 famílias terão de ser desalojadas,não tendo para onde transferir suas pobres vivendas. Isto não teria acontecido se a Prefeitura de S. Vicente tivesse oportunamente se antecipado à iniciativa particular.
Um cidadão bem informado nos descreveu a questão em linguagem pitoresca. Há três espécies em luta: os tubarões, os proprietários de terrenos confinantes com áreas de mangues, que requerem os aforamentos respectivos para vender lotes; as sardinhas, que são os pobres-diabos que armam as suas palhoças nos pontos menos atingidos pelas marés; e os corvos, que são aqueles que se limitam apenas a invadir e a “grilar”.
Dessa maneira, criou-se em São Vicente um grave problema que toma aspectos sociais da mais alta relevância.
Um exemplo para Santos prevenir – Em Santos não tardará também a se repetir tal fenômeno. Cremos, portanto, dever o governo municipal olhar o exemplo do que ocorre em S. Vicente, para tomar imediatas providências. A cidade cresce rapidamente, e em breve os mangues que confiam as já poucas terras que lhe restam, reduzido ao mínimo pelo fracionamento com a criação de outros municípios, terão de ser utilizadas para edificação residencial, como já o estão sendo para construção de cais, armazéns, pátios ferroviários, depósitos etc.
Por mais que se queira ignorar a situação,não demorará o tempo em que a ponte sobre o estuário se transformará não em mera necessidade de comunicações, mas para ampliação da área urbana. Seja entre o Valongo e a Ilha Barnabé, seja a Alemoa e o Morro das Neves, tendo de permeio a Ilha do Bagrinho, a comunicação com o outro lado do estuário impor-se-á irremovivelmente.
Esse foi um dos motivos pelo qual nos batemos intransigentemente pela construção da estrada para o litoral Norte, passando por Santos, pois a ponte traria para esta cidade um benefício incalculável, por concorrer para a solução de um dos seus mais importantes problemas. Infelizmente, não encontramos o apoio que seria de esperar, não só do Executivo, como do Legislativo municipal, que por certo ainda não se aperceberam do alcance do assunto. Santos precisa crescer, mas dentro do seu próprio território, e deste já pouco resta que não fique do outro lado do estuário.
Não vai neste nosso ponto de vista sentimento de regionalista estreito, mas sim o propósito de reivindicar para o município todas as frentes de renda indispensáveis à satisfação dos seus custosos compromissos. TA questão dos mangues, que em S. Vicente criou um grave problema, apresenta-se, assim, também para Santos, como de relevante importância.