Na contramão dos que desrespeitam o protocolo de segurança contra a Covid-19 ao participarem de festas e aglomerações sem máscaras, há os que são rigorosos até demais nos cuidados.
O medo do coronavírus fez com que subisse de 20% para 30% o percentual de recusas de visitas dos agentes de zoonoses que combatem em casas o mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão de dengue, chikungunya, zika e febre amarela.
A constatação, comprovada pela reportagem, é de Wernner Santos Garcia, diretor da DVZ (Divisão de Vigilância de Zoonoses) da Secretaria Municipal da Saúde.
“Com os alertas a respeito do coronavírus, em meados de março e abril as pessoas já ficaram mais assustadas, e as equipes começaram a ter dificuldade para entrar nas casas”, explica.
Na tarde de quarta-feira (13), a reportagem acompanhou os agentes casa a casa nas ruas Engenheiro Ferreira e Esperantinópolis, na Vila Nhocuné (zona leste).
A abordagem consiste na orientação e eliminação de água parada em pneus, garrafas, e demais locais que servem como focos do mosquito.
Das 95 casas contatadas, em 8 houve recusa do atendimento. Aparentemente, 47 estavam vazias, e havia 2 em situação de abandono. O número de residências onde foram encontradas larvas do mosquito não foi informado.
As duas vias ficam no distrito de Arthur Alvim, um dos que tiveram maior número de casos de dengue e coeficiente de incidência (por 100.000 habitantes) no ano passado –60 e 59,7 respectivamente.
Questionado sobre a justificativa pela alta incidência da doença no distrito, Garcia elencou alguns fatores: o aumento de recusas e o acúmulo de material inservível na região devido a problemas de articulação nos contratos de zeladoria e limpeza urbana por parte da subprefeitura local.
Mas o combate às chamadas arboviroses (doenças transmitidas pelo Aedes) é uma via de mão dupla, em que a população deve fazer a sua parte.
No total, a capital paulista fechou 2020 com 1.999 casos de dengue, 16 de chikungunya (destes, apenas um autóctone, ou seja, contraído na cidade de domicílio) e um importado de febre amarela.
Uma das moradoras da rua Engenheiro Ferreira, que impediu o acesso dos agentes em sua casa, foi enfática.
“Tenho medo desse coronavírus. Mas a minha casa está em ordem e as minhas plantinhas também”, disse a senhora, que preferiu ser identificada apenas como Maria.
“Por medo elas fazem uma autodefesa. As pessoas costumam dizer que não há nada em casa, sabem os cuidados que devem ter com a dengue e que não precisam de orientação. O receio em relação ao coronavírus é até pertinente. É importante continuar deixando os agentes entrarem nas casas. Não tenham medo, principalmente se precisarem tirar dúvidas ou de orientação”, explica Garcia.
Para Hélio Bacha, consultor técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia, permitir a entrada do agente na residência é um risco a mais de contrair Covid-19.
“O momento que estamos vivendo hoje é um dos mais cruciais da pandemia. Esse trabalho [da prefeitura] pode ser feito de outra forma, por telefone. O funcionário pode orientar e explicar como é a larva do mosquito para que a pessoa identifique em sua casa. Pela minha percepção, o risco de aumentar os casos de Covid-19 é muito maior que o de transmissão da dengue”, afirma Bacha.
Na opinião do infectologista, quem aceitar a abordagem deve prestar atenção quanto ao distanciamento físico e se o agente usa máscara, luvas e álcool em gel.
O operador de motosserra Jeferson da Silva, 39, mora na rua Esperantinópolis em frente a uma recicladora, considerada como ponto estratégico. Ou seja, recebe visita das equipes de zoonoses da prefeitura pelo menos uma vez ao mês.
“A gente precisa ter o devido cuidado, não duvidar do que está acontecendo, mas é importante deixar o agente entrar”, disse Silva que recebeu orientações sobre o trato com a piscina localizada na área de sua residência.
A aposentada Roseli Augusto Messias, 66, valoriza e define o trabalho de combate à dengue como muito importante, principalmente em época de pandemia. “Tenho uma ‘criança’ de 90 anos [referência ao marido] e a minha netinha de 9. O medo é grande, mas é preciso cuidar.”
Segundo Garcia, a prefeitura submete os funcionários a testes para detecção de Covid-19 periodicamente, a cada dois ou três meses. Nos casos suspeitos da doença, o agente é encaminhado ao Hospital do Servidor Público Municipal.
“Mesmo durante a pandemia é preciso se preocupar com as outras doenças, porque elas não param, e a dengue é uma delas. Em relação ao ano passado, quando olhamos os dados, as nossas atividades até aumentaram”, diz Garcia.
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, o número de visitas de rotina de combate às arboviroses, passou de 940 mil entre janeiro e dezembro de 2019 para 2,23 milhões no mesmo período de 2020.
As visitas, com atividades como orientação à população e intensificação da busca ativa por criadouros do mosquito Aedes aegypti, aumentaram de 92 mil para 511 mil no mesmo período.
Especificamente no período da pandemia, de abril a dezembro, foram realizadas 777 mil em 2019 e 2,81 milhões no ano passado. Em relação à busca ativa por criadouros, houve 73 mil visitas em 2019 e 472 mil em 2020.
A atividade casa a casa é planejada de acordo com o risco de proliferação do mosquito, medido por meio da vulnerabilidade social e densidade larvária (mapeamento feito para verificar o crescimento de larvas).
Em épocas normais, ou seja, sem pandemia, quando a entrada dos agentes de zoonoses não é permitida, há uma segunda tentativa, feita pela mesma equipe após cerca de 15 dias.
Em caso de necessidade, realiza-se a entrada forçada, de acordo com a lei municipal 16.273/2015 sancionada pelo então prefeito Fernando Haddad (PT).
Em 2015, a capital paulista registrou 103.186 casos de dengue. Em 2016, 2017 e 2018 houve queda, e em 2019 foram contabilizados 16.966 infectados. A expectativa, segundo Garcia, é que a doença não alcance números altos em 2021.
Reportagem: Folha Press