Nos últimos dois anos, a proposta de fazer uma ligação rodoviária entre os municípios de Santos e Guarujá, no litoral paulista, ficou travada numa polêmica sobre qual seria o melhor trajeto: uma ponte ou um túnel submerso. Na semana passada, a proposta do túnel avançou.
Autoridade portuária de Santos abriu chamamento público para receber estudos sobre o traçado do túnel. O processo pode durar até quatro meses.
Entre os defensores dessa opção, agora há uma discussão sobre qual seria o melhor modelo para viabilizar o projeto.
O movimento “Vou de Túnel”, encabeçado por um pool de engenheiros navais, empresas e associações, defende a adoção de uma PPP, parceria público privada. Para o grupo, a obra poderia ser iniciada ainda em 2021 se fosse entregue à iniciativa privada.
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A autoridade portuária, porém, trabalha com a perspectiva de incluir o túnel dentro do processo de privatização do porto, o que daria preferência para uma concessão patrocinada, modelo em que os responsáveis pelos investimentos receberiam uma contraprestação para viabilizar o projeto. Estudos apontam que o leilão pode ocorrer em 2022.
“O plano A é que o projeto seja um investimento obrigatório do concessionário privado do porto, mas o processo pode ser desenvolvido separadamente se os estudos demonstrarem que há viabilidade técnica e econômica”, cita Bruno Stupello, diretor de desenvolvimento de negócios e regulação da SPA (Santos Port Authority, sigla em inglês utilizada para definir a autoridade portuária).
“Por que empurrar para uma privatização? Ela pode nem sair. O plano A, agora, precisa ser uma PPP (parceria-público privada)”, diz Casemiro Tércio Carvalho, um entusiasta do túnel, ex-presidente da SPA.
Em paralelo, o governo do estado de São Paulo, defensor da ponte, ainda tenta viabilizar o trajeto sobre o mar. O argumento é que ponte e túnel podem conviver e atenderiam diferentes necessidades portuárias.
“Torcemos para que tenham uma equação financeira que possa se sustentar o projeto [de túnel], ambos possam acontecer. Mas o nosso foco é a ponte, e entregamos o projeto alterado e pronto”, diz o secretário de logística e transportes do estado de São Paulo, João Octaviano Machado.
Entre as modificações para a que a ponte seja executada destaca-se a alteração de um vão principal de 750 metros, com altura de 85 metros a partir do nível do mar, que, segundo o estudo, elimina qualquer possibilidade de interferência operacional no porto.
A estrutura da ponte, estimada em R$ 3,9 bilhões, seria erguida pela concessionária Ecorodovias, responsável pelo sistema Anchieta-Imigrantes, em troca da extensão do contrato para exploração dos serviços, que inicialmente vence em 2026, por mais 30 anos.
Em 19 novembro, a secretaria de transporte e logística do estado entregou ao Ministério da Infraestrutura a reformulação do projeto da ponte para minimizar os riscos de impacto no porto.
Em nota, na ocasião, disse que com as adequações “a obra está pronta para ser iniciada, dependendo do aval do Ministério da Infraestrutura”. Quase seis meses depois, o estado reclama de ter ficado “no vácuo”.
A percepção de quem acompanha a discussão é que o componente político ganhou mais peso, uma vez que cresceram as rivalidades entre o governador João Doria (PSDB) e o presidente Jair Bosonaro (sem partido) durante a pandemia.
“Nos causa estranheza [a demora na resposta]. Se não querem, é só falar, mas precisam explicar por que não querem, também. Fizeram uma solicitação de mudança do local de pilares e cumprimos. Já vai para seis meses e só ouvimos, até agora, que está em análise”, diz Machado.
Enquanto isso, cresceu o apoio ao túnel. No último dia 19 de fevereiro, em visita ao porto, o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, um aliado do presidente Bolsonaro, reforçou o discurso em favor do túnel.
“Estudos mostram que a opção do túnel seria mais vantajosa por uma série de razões, inclusive razões técnicas, além de investimentos e resultados. Por essa razão, ao nosso ver, seria mais interessante a solução através de um túnel e não de uma ponte para a ligação seca”, afirmou.
Os defensores do túnel, que custaria aproximadamente R$ 3 bilhões, também reforçaram as suas críticas. Em 1º de abril, popularmente conhecido como dia da mentira, os responsáveis pelo “Vou de Túnel” publicaram no Twitter uma mensagem desqualificando a ponte.
“Hoje, a gente até dá um desconto porque é primeiro de abril. O problema é que te contam essa mentira o ano todo!”, afirmou a publicação. “O projeto da ponte impede o desenvolvimento do porto e não beneficia em nada as cidades de Santos e Guarujá. Por que alguém iria querer tirar isso do papel?”
O grupo “Vou de túnel” diz ainda que o trajeto submerso sofreu adequações que tendem a reduzir o valor do investimento. Foi reduzido, por exemplo, o número de desapropriações. “Hoje, evoluímos muito em relação ao primeiro projeto da Dersa [de 2014], que era bom, mas que tinha o grave defeito englobar a entrada da cidade”, diz Eduardo Lustoza, diretor de portos da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos.
Na avaliação dele, a insistir na ponte perdeu o sentido. “O chamamento da autoridade portuária já uma clara ação de que estão decidindo pelo túnel, que não aceitam outra opção”, diz Lustoza. “Os estados que precisam do porto não podem ficar a mercê de uma visão míope do governo estadual, nem de algum interesse particular,”
Procurado, o Ministério de Infraestrutura informou que concorda com o pleito de uma ligação seca entra as duas margens e que defende “uma solução que atenda às demandas da sociedade e não impeça as operações portuárias atuais e futuras”.
Ainda segundo a pasta, no fim de 2020, houve reunião com representantes da secretaria estadual de transportes e logística, da SPA e da Ecovias para discutir alterações no projeto de solução da ponte e que o projeto é avaliado juntamente com a alternativa do túnel “para a definição da solução mais adequada” tanto com relação a custo e prazo, seja envolvendo a desestatização do Porto ou outro formato.
A BTP (Brasil Terminais Portuários), um dos principais operadores do porto, também voltou a manifestar apoio ao projeto do túnel. “Além de ser a obra mais viável economicamente, o projeto do túnel descarta a criação de uma barreira física no canal de navegação”, disse o presidente Ricardo Arten.
A ABTP (Associação Brasileira de Terminais Portuários) diz que ainda aguarda pela definição dos projetos para se posicionar. “A aposição, hoje, é clara: vamos aguardar. Se algum deles impactar, vamos ser contrários”, explica o diretor-presidente Jesualdo Conceição.
Linha-verde tem consenso Se há claras divergências entre ponte e túnel, há consenso com relação a outro projeto, chamado de linha-verde. Anunciada no último mês, a proposta do governo estadual é aliviar o sistema Anchieta-Imigrantes com a criação de uma nova rota logística entre Santos e São Paulo.
O chamamento público para a entrega de projetos da iniciativa privada foi aberto em 25 de março. As propostas podem contemplar alternativas com diferentes modais, mesclando rodovia e ferrovia, com conclusão em prazos de seis a oito anos.
“É uma alternativa. Já nasceria com uma concessão, mas ainda sem estimativa de valores e de trajeto. Acreditamos que vai ter um forte impacto no transporte, resolvendo problemas hoje crônicos”, afirma Octaviano.
Ainda não há definição de um traçado, mas a projeção é de que a ligação faça a conexão do rodoanel, na capital, com a margem esquerda do porto.
O período para a apresentação de projetos ou estudos vai até o próximo dia 30, contendo a viabilidade técnica e, também, econômica. Para abrigar a alça ferroviária, seria preciso a construção de túneis maiores.
Detalhe. O projeto não tem ligação com a ponte entre Santos e Guarujá.
Fonte: Diário do Litoral